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Rádio Sermonettes
Hakim Bey


Muitos monstros se interpõem entre nós e a realização dos objetivos imediatistas. Por exemplo, nossa própria arraigada alienação inconsciente pode facilmente ser confundida com uma virtude, especialmente ao contrastá-la com o mingau cripto-autoritário que se passa por “comunidade” ou com as várias versões ascendentes do “ócio”. Não é natural tomar o dandismo noir dos avarentos ermitões por alguma forma de Individualismo heróico, quando o único contraste visível é o socialismo mercantil do Club Med ou o masoquismo cômodo dos Cultos das Vítimas? Ser maldito e no filme naturalmente atrai mais as almas nobres que estão salvas e cômodas.


O Imediatismo significa melhorar aos indivíduos proporcionando um molde de amizade, não lhes diminuir sacrificando sua ”propriedade” ao pensamento grupal, a auto-abnegação esquerdista ou valores espasmos New Age. O que deve ser superado não é a individualidade por si, e sim a adição à amarga solidão que caracteriza a consciência no século XX (que no geral não é muito mais que uma repetição do século XIX).


Muito mais perigoso que qualquer monstro interior (o que pode chamar-se) o “egoísmo negativo”, no entanto, é o monstro externo, muito real e totalmente objetivo do Capitalismo Demasiado Tardio. Os marxistas (R.I.P) tinham sua própria hipótese de como funcionava isto, mas aqui não estamos preocupados com análises abstratos/dialéticas do valor do trabalho ou da estrutura de classes (apesar destes podem ainda requerer análises, e ainda mais desde a “morte” ou “desaparição” do Comunismo). Na mudança, gostaríamos de assinalar os perigos táticos específicos que encara qualquer projeto imediatista.


1. O Capitalismo só apóia certos tipos de grupos, por exemplo, a família nuclear ou “o povo que conhece o meu trabalho”, porque estes grupos já estão auto-alienados e integrados na estrutura Trabalha/Consome/Morre. Outros tipos de grupos podem ser tolerados, mas carecem de todo apoio da estrutura social, e assim se encontram encarando grotescos desafios e dificuldades que aparecem embaixo do disfarce da “má sorte”.


O primeiro obstáculo e de aparência, mas inocente a qualquer projeto imediatista será a “ocupação”[1]., “necessidade de ganhar a vida” que encara cada um de seus associados. No entanto, aqui não existe verdadeira inocência, só nossa profunda ignorância das formas em que o Capitalismo está organizado para evitar toda convivialidade genuína.


Tão pronto como um grupo de amigos tenha começado a visualizar objetivos imediatos alcançáveis somente através da solidariedade e da cooperação, então, a um deles lhe oferecerão repentinamente um “bom” trabalho em Cincinnati ou ensinar inglês em Taiwan – ou se não terá que voltar para Califórnia para cuidar de um progenitor moribundo ou se não perderá o “bom” trabalho que tem e se verão reduzidos a um estado de desgraça que impossibilita que desfrutem do projeto e objetivos do grupo (isto é, estarão “deprimidos”). Ao nível mais aparentemente mundano, o grupo não poderá acordar um dia da semana para reunir-se porque todo mundo está “ocupado”. Mas isto não é mundano. É pura maldade cósmica. Soltamos cusparadas de indignação pela “opressão” e as “leis injustas” quando fazer estas abstrações têm escasso impacto em nossa vida diária; enquanto isso, o que realmente nos tem desgraçados passa inadvertido, relegado a “ocupação” ou a “destruição”, ou, inclusive, a própria natureza da realidade (“Bom, não posso viver sem um trabalho!”).


Sim, talvez seja certo que não podemos “viver” sem um trabalho ainda que espero que sejamos – bastante adultos para conhecer a diferença entre vida e a acumulação de um montão de trastes fodidos. Mesmo assim, devemos recordar constantemente (já que nossa cultura não fará por nós) que este monstro chamado TRABALHO segue sendo o objetivo preciso e exato de nossa ira rebelde, a realidade mais opressiva a que nós enfrentamos (e devemos também aprender a reconhecer o Trabalho quando disfarçado de “ócio”).


Está “demasiado ocupado” para o projeto Imediatista é perder a própria essência do Imediatismo. Lutar para juntar cada segunda-feira à noite (ou quando seja) nos dentes da tempestade da ocupação, da família, ou convites de festas estúpidas; essa luta já é em si mesma, Imediatismo. Ter êxito em se encontrar fisicamente, cara a cara com um grupo que não é seu cônjuge-e-filhos, ou os “caras do batente”, ou seu Programa de 12 Passos, e já terás alcançado virtualmente tudo o que o Imediatismo anseia. Um projeto real surgirá quase espontaneamente desta bem sucedida bofetada na forma social do tédio alienado. Em breve o projeto parecerá ser o propósito do grupo, seu motivo para juntar-se, mas de fato a verdade é o contrário. Não estamos brincando nem condescendendo na hipérbole quando dizemos que encontrar-se cara a cara já é “a revolução”. Efetivá-lo e a parte de criatividade virão naturalmente; como “o reino dos céus” se ampliará. Desde o início será horrivelmente difícil, por que se não passamos a última década tentando construir nossa “boêmia no correio” deveria ter sido fácil tê-la em algum quarteirão latino ou comuna rural? Essa escória de ratazanas-bastardas capitalistas te pedem a “sair e tocar em alguém” com um telefone ou a “está ali” (onde?, em frente a uma merda de televisão?); esses mamões estão tentando converter-te em uma engrenagenzinha patética, exprimida e esvaziada de sangue, na máquina de morte da alma humana (e não prejudiquemos com sutilezas teológicas sobre o que queremos dizer com “almas”!). Combatê-los encontrando-se com amigos, não para consumir ou produzir, e sim para desfrutar da amizade e haverás triunfado (ao menos por um momento) sobre a conspiração mais perniciosa na sociedade euro-americana de hoje – a conspiração para converter-te em um cadáver vivente galvanizado pelas próteses e o terror da escassez – para converter-te em um espião perseguindo o seu próprio cérebro. Isto não é um assunto menor! Esta é uma questão de vitória ou derrota!


2. Se a ocupação e a fisipação[2] são os primeiros fracassos potenciais do Imediatismo, não podemos dizer que seu triunfo deveria ser equiparado com o “êxito”. A segunda principal ameaça a nosso projeto pode ser descrita simplesmente como o êxito trágico do próprio projeto. Digamos que superamos a alienação física e nos reunimos, desenvolvido nosso projeto e criado algo (uma colcha[3], um banquete, uma obra, um pouco de eco-sabotagem, etc.). A menos que o mantenhamos como um absoluto segredo – o que é provavelmente impossível e de qualquer forma constituiria um egoísmo bastante venenoso – outros ouviram falar dele (outros do inferno, para parafrasear os existencialistas), e entre estes outros, alguns serão agentes (conscientes ou inconscientes, isso não importa) do Capitalismo Demasiado Tardio. O Espetáculo – ou o que seja que o tenha substituído desde 1968 – acima de tudo está vazio. Se recarrega pelo constante engolir, ao modo de Moloch, dos poderes criativos e energias de todos. Está mais desesperado por tua “subjetividade radical” do que qualquer vampiro ou policial por teu sangue. Querem sua criatividade muito mais do que a queres tu mesmo. Morreria a menos que tu o desejasse, e somente o desejarás se parecer que te oferece os mesmo desejos que sonhastes, somente na sua genialidade solitária, disfarçados e revendidos como mercadorias. Ah, as metafísicas artimanhas dos objetos! (ou palavras a esse efeito, Marx citado por Benjamin).


De repente os parecerá (como se o demônio tivera assobiado ao seu ouvido) que a arte Imediatista que criou é tão bom, tão fresco, tão original, tão forte comparado com toda a merda do “mercado” – tão puro – que poderia regá-lo e vendê-lo, e ganhar a vida com ele, de modo que poderia todos deixar o TRABALHO, comprar uma granja no campo e depois fazer arte juntos para sempre. E talvez seja verdade. Poderia... depois de tudo, ser gênios. Mas seria melhor que voltassem ao Havaí e os atirassem dentro de um vulcão ativo. Seguro, poderia ter êxitos; poderia ter 15 segundos no telejornal da noite – ou um documentário da PBS sobre a vossa vida. Sim, efetivamente.


Tradução: Danilo (nilo_ornelas@yahoo.com.br) e Erahsto (erahsto@yahoo.com.br)
Revisão: AltDelCtrl


Referências

  1. No texto original Bey faz um jogo de palavras entre “busyness” (que traduzimos como se ver, e que implica a necessidade de estar ocupado, “fazer algo”) e “busyness” (negócio), matiz que em português se perde.
  2. No original “fissipation”, Admite-se sugestões sobre como traduzí-lo.
  3. Ver nota 6 de Imediatismo


Rádio Sermonettes
A Tong Imediatismo versus Capitalismo Involução

[1]

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