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Receitas Para o Desastre
CrimethInc

Ingredientes[]

  • Alguns voluntários dedicados e altruístas
  • Habilidades mecânicas decentes — e a vontade de aprender e se aperfeiçoar mais
  • Uma fonte de bicicletas
  • Ferramentas para conserto de bicicletas
  • Espaço — adequado e confiável
  • A gentileza de estranhos — que freqüentemente lhe darão um ou mais dos ingredientes acima


Instruções[]

Ah, meu deus. Você quer dar início a uma coletivo de bicicletas. Pobre coitado. Você tem essas visões embaçadas de crianças ansiosas se reunindo à sua volta, deslumbrados com a sua maestria no uso do centrador e tão felizes graças à BMX que você está prestes a lhes dar — lhes dar — funcionando perfeitamente. Você imagina as ruas entupidas de bicicletas geradas pela sua equipe enérgica, ciclistas revolucionários dirigindo-se para passeios à meia-noite, mais respeito por bicicletas nas ruas, e centenas de ciclistas mais confiantes que aprenderam como consertar totalmente as suas bicicletas na sua nobre organização, não precisando mais das oficinas de bicicletas. Eu tenho certeza de que você é esperto o suficiente para se dar conta de que todas essas esperanças são impossivelmente exageradas. Entretanto, eu devo também acrescentar que algumas delas ou todas elas estão parcialmente ao nosso alcance, e que ser parte de um coletivo de bicicletas que seja eficiente e funcione pode ser muito satisfatório.


Então, vamos iniciar. Você aparentemente já tem pelo menos um voluntário dedicado e altruísta — você mesmo — mas seria bom recrutar mais alguns, se você já não o fez. Pelo menos um destes deve ter pelo menos alguma idéia do que vocês estão fazendo quando se trata de consertar bicicletas, e deve começar a ensinar algumas habilidades ao membros que não as possuem. Mesmo lições básicas sobre remendar e trocar as câmaras dos pneus são um bom começo — você não tem que começar consertando os quadros. As pessoas obviamente aprenderão com o andar das coisas, mas pode ser desmoralizante para você e deixar o seu primeiro cliente perplexo se você conserta a maior parte da bicicleta e então empaca quando se depara com um movimento central frouxo. Quando for fazer consertos para o público, deve haver sempre pelo menos uma pessoa no local que saiba cuidar de um problema em particular, para que possam assumir quando for preciso.


Vocês também devem descobrir quais são os objetivos da sua organização: isso pode parecer muito óbvio, mas vocês vão querer saber se o seu foco será consertar bicicletas, distribuí-las (e para quem?), ensinar a consertar bicicletas, dar início e manter um programa de bicicletas públicas, ativismo, algo mais, ou uma combinação de tudo. Até mesmo elaborar uma missão, por mais afetado que isso soe, pode ajudar a esclarecer as suas idéias. Nem tudo que você decidir tem que ser posto em prática imediatamente — não há nada de errado em começar pequeno — mas enxergar mais longe pode ajudar você a se expandir quando você pegar o jeito, ao invés de continuar apenas consertando bicicletas para os seis jovens que vivem na sua rua.


Escolha um nome. Ele pode ser explicitamente político ou completamente não-ameaçador (Coletivo Fodam-se os Veículos Utilitários, Coletivo Jardim de Bicicletas) como você quiser, mas tente não escolher algo irá envergonhar você daqui a um ou dois anos. E também é importante uma forma confiável de se entrar em contato com o grupo — se vocês mudam muito de número de telefone, abram uma conta de e-mail. A sua informação de contato irá muito longe depois que vocês começarem. Finalmente, decida que tipo de estrutura você quer que a organização tenha. Você quer ser uma organização oficial sem fins lucrativos, com normas e um comitê executivo, ou você quer um grupo livremente organizado de mecânicos engraxados, compartilhando nada além de uma motivante paixão por bicicletas e pelo conserto delas? Se você está consertando bicicletas para outras pessoas, ou lhes dando bicicletas, quanta responsabilidade legal você pode assumir como organização caso alguém se machuque? Você quer oferecer às pessoas um contrato que isenta você de responsabilidade (uma boa idéia, apenas para desencorajar processos, mesmo que o contrato não fosse válido num julgamento), ou você quer apenas cruzar seus dedos e esperar que ninguém seja sacana o suficiente para incomodar um grupo tão querido? Você quer cobrar dinheiro pelos seus serviços? Recomendar uma compensação? Estabelecer uma tabela progressiva? Desenvolver um sistema casual ou cuidadosamente calculado para trocar o trabalho das pessoas pelas suas habilidades, ferramentas e peças? Depender de doações? Você quer agendar um dia em particular da semana (ou dois ou três) para se encontrar, especialmente se você estiver oferecendo consertos, oficinas ou outro serviço público, ou você quer deixar à mercê das vontades individuais?


Em se tratando de coletivos de bicicletas, dá para improvisar muita coisa, mas você certamente irá precisar de algumas bicicletas. Sorte que elas são bem fáceis de encontrar. Universidades e delegacias de polícia freqüentemente recolhem bicicletas abandonadas; aterros e lixões também têm um bom número; e depois que as pessoas ficarem sabendo da sua organização, você vai conseguir mais bicicletas do que jamais irá precisar de famílias de classe média cujas crianças cresceram demais para suas velhas bicicross, ou que não andam mais em suas velhas bicicletas que estão paradas na garagem há quinze anos. Se você estabelecer um bom relacionamento com uma loja de bicicletas, eles podem lhe encaminhar todo mundo que tem esperança de vender uma bicicleta velha que não vale o suficiente para as lojas se interessarem: tendo sido rejeitadas pelas lojas, as pessoas geralmente estarão dispostas a simplesmente se livrarem das bicicletas (que geralmente estão em melhor forma do que as que você retira do lixo), e lhe entregarão elas onde quer que você peça. Muitas das bicicletas que você vai conseguir são de baixa qualidade e estão num estado terrível, e muitas merecem ir direto para o lixo (reciclagem de metais, se houver na sua cidade), mas antes que você perceba você terá mais do que você precisa e que são máquinas perfeitamente boas.


Outro item indispensável é pelo menos um kit completo de ferramentas para bicicleta. Não se surpreende se alguma dessas ferramentas desaparecerem de vez em quando, especialmente se você estiver trabalhando com garotos, e esteja preparado para substituí-las. Você pode se virar sem algumas coisas (um centrador, suportes para as bicicletas) no começo, mas você definitivamente irá precisar de um jogo completo de chaves (Allen, estrela, boca), alicates, espátulas, extrator de corrente, alicate de corte, chaves de fenda, removedores de catraca, bomba para encher pneus, lubrificante, etc. Você pode improvisar substitutos para algumas ferramentas, como usar uma chave ajustável para remover os pedais, mas idealmente você deve ser capaz de consertar uma bicicleta inteira com o que você tiver. Ferramentas, você descobrirá, espcialmente as ferramentas especializadas necessárias para consertar uma bicicleta, são caras, o que é um dos motivos pelos quais a maioria das pessoas nunca aprenderá a consertar uma bicicleta, e vão continuar dependendo das lojas de bicicletas. Encontrar essas ferramentas sem desembolsar muito dinheiro não é fácil. Você pode esperar encontrar doadores generosos, um dia milagroso na lixeira da loja de bicicletas, boa sorte, um experiente e destemido ladrão de mercadorias, ou qualquer versão de Robin Hood que você preferir, mas pode acabar sendo necessário comprar algumas coisas com o seu próprio dinheiro no início — com o tempo, doações que a sua organização receber provavelmente serão o bastante para pagar qualquer pessoa que tenha sido generosa o suficiente para emprestar algum dinheiro no começo da empreitada. Essas são as leis do karma.


Você pode estabelecer um sistema de "bicicletas amarelas" na sua cidade: consiga uma porção de bicicletas baratas, pinte todas elas de um amarelo feio, e deixe-as espalhadas pela cidade em pontos de retirada e devolução para que as pessoas possam ir nelas de um lugar a outro — voilà, transporte público de graça e autônomo!


Por sorte, você não necessariamente precisa de peças de bicicletas. Eu digo "não necessariamente" porque se você precisar desesperadamente dar um jeito, você sempre poderá canibalizar partes de outras bicicletas. Entretanto, lembre-se que isto provavelmente não será muito eficiente em grande escala. Se você decidir fazer isto quando estiver iniciando, ao invés de comprar [as também caras] peças de bicicletas, ou de implorar para alguém dá-las a você, certifique-se de que as peças que você está tirando daquela lata velha são realmente seguras e funcionam. Pneus quebradiços, pastilhas de freio gastas, correias enferrujadas — você não está ajudando ninguém mantendo essas peças em circulação. E também, se você fizer isto por algum tempo irá inevitavelmente descobrir que certas bicicletas estão mais erradas do que certas (rodas traseiras empenadas, cabos e correias enferrujados além do utilizável, pneus ressequidos), e você acabará não consertando muitas bicicletas porque não consegue peças para elas. Lixeiras de lojas de bicicletas são bons locais para se procurar peças, mas fique de olhos abertos para pneus com cortes neles feito por um estilete descuidado na hora de abrir as caixas, e outros jeitos comuns que as peças estragam — afinal de contas, elas provavelmente foram jogadas fora por uma razão. Pode ser simplesmente a política da loja descartar todas as peças trocadas, não importa o seu estado, mas segurança é uma consideração importante quando outras pessoas estão confiando nos seus serviços. E também, se houver um armazém de distribuição de peças de bicicleta perto de onde você vive, ele pode ser uma boa fonte para peças pouco usadas (ou, às vezes, aparentemente intocadas).


Um dos aspectos mais frustrantes de se começar um coletivo de bicicletas pode ser encontrar um espaço para ele. Talvez isso seja tão frustrante porque não parece que devia ser tão complicado: é um mundo enorme, no final das contas, e você imaginava que uma pequena parte dele estaria disponível para fanáticos por bicicletas altruístas. Entretante, geralmente, especialmente se você não tiver dinheiro para pagar um aluguel, pode ser difícil encontrar um espaço adequado às suas necessidades. Você pode não se importar se for um lugar fechado (abrigo da chuva, do vento, do frio e um belo piso de concreto são definitivamente coisas boas) ou um espaço aberto (hmmmmmmm, luz do sol); você não precisa de nada chique e não se importa com um pouquinho de sujeira. Você é flexível de muitas formas. Mas você precisa ser capaz de acessá-lo sempre que a sua organização decidir usá-lo (não concorde em dividir o espaço de ensaio de uma banda se eles têm a tendência de fazer intermináveis sessões de improviso no seu dia favorito para trabalho). Assim como a sua informação de contato, você deve ter planos semi-permanentes de ficar no seu espaço, então não escolha o jardim do seu namorado se ele vai se mudar daqui há dois meses. Obviamente, qualquer espaço irá servir para quebrar o galho, mas se você fizer tudo certinho, as pessoas irão voltar atrás de você, então é preciso que elas não tenham dificuldades em lhe encontrar. Você precisa ser capaz de deixar coisas (bicicletas, ferramentas, peças, etc.) nesse local, e, se ele não tiver uma porta com tranca, você quer um lugar onde você possa deixar as coisas lá sem que elas desapareçam misteriosamente durante a noite (então terrenos baldios provavelmente não são uma boa idéia). E você precisa de uma quantidade decente de espaço. Nada é mais irritante do que estar no meio de um conserto complicado, ainda não bem dominado, e se inclinando para pegar uma chave que caiu só para bater com a cabeça em alguma coisa. Muitas peças da bicicleta machucam, e algumas machucam muito. Você precisa ser capaz de manter uma distância segura, já que dar o troco não é bem uma opção.


Uma garagem ou um quintal é freqüentemente a sua melhor opção: eles são de graça, relativamente seguros, e geralmente espaçosos. A grama é legal e fofinha, mas é fácil perder pequenas porcas e arruelas nela (cascalho não é nem um pouco fofinho, e talvez até pior para se perder pequenas peças), então considere usar um pano ou outro tipo de cobertura para o piso. Tente não afastar os senhorios e vizinhos com muita bagunça. Pense sobre a segurança do lar que fica em frente à garagem ou jardim, já que você será incapaz de controlar quem escuta falar e quem vem à propriedade, e precisa respeitar as necessidades das pessoas que estão generosamente oferecendo o espaço (mesmo que seja apenas você e as pessoas com quem você mora).


Isso é o básico. Outras necessidades irão aparecer no andamento das coisas, e você se surpreenderá com a generosidade e egoísmo das pessoas. Algumas pessoas, inclusive alguns dos seus amigos, vão enxergar o seu coletivo apenas como um lugar para se conseguir coisas de graça, e outros irão se juntar às fileitas dos seus sócios dedicados e altruístas. Quando você passar um longo dia consertando bicicletas para 53 crianças aos prantos em um centro comunitário local, a sua exaustão será um pouco aliviada pela visão de 36 delas circulando pelo estacionamento, ainda histéricas, nas suas bicicletas recém consertadas. Mas você provavelmente ainda estará com dor-de-cabeça. Você irá sentir-se inundado de orgulho quando você consertar o seu primeiro guidom, e então irá tremer ao se lembrar que ainda precisa aprender como centrar uma roda. Você pode não ver o número de carros nas ruas diminuir, mas você começará a ver bicicletas que você reconhece accorrentadas ao lado do mercado, ou em concertos, ou passando por você no centro da cidade. Então você poderá se aposentar e deixar os seus discípulos continuarem o seu trabalho.


Relato[]

Nós começamos o nosso coletivo de bicicletas no verão de 2000, escolhemos primeiro o nome O Ponto de Bicicletas do Povo. O tom marxista logo perdeu a graça, então mudamos de nome. No começo nós éramos cinco: alguns dos quais tinham grandes idéias sobre distribuir bicicletas para crianças de famílias pobres, algumas com experiência em oficinas ou coletivos de bicicleta, algums cp, vagas alianças com visões de mundo compartilhadas, outras com opiniões e compromissos fortes. Eu mesmo só havia aprendido no ano anterior a reparar câmaras de pneus e ajustar as pastilhas do freio. Nós definimos redigimos uma missão que raramente olhamos desde então, já que parecia que compartilhávamos da mesma visão e concordamos que uma estrutura organizada era muito mais profissional do que estávamos preparados para ser. Nós estávamos dispostos a não ter as vantagens e benefícios de uma abordagem mais organizada a fim de evitar hierarquias, disputas de poder e outros problemas. (Pode ter sido também um pouco de preguiça.) Nós também decidimos que a parte logística de manter funcionando um sistema de bicicletas amarelas seria demais para nossa pequena organização a menos que não tivéssemos interesse em fazer nenhuma outra coisa. Embora seja uma boa idéia, não é algo que conseguimos encaixar nos nossos planos nesta altura.


As bicicletas vinham de diversos lugaras. Nossa primeira grande carga foi recolhendo as sobras depois de um leilão de bicicletas no — não é preciso dizer, este método nos deixou com muita sucata inútil nas mãos, mas foi um começo empolgante. Em pouco tempo, bicicletas e caixas de peças lotavam o pequeno quintal no qual estávamos trabalhando. Na nossa região, a população universitária generosamente nos fornecia grandes números de bicicletas negligenciadas, e nós também conseguimos diversas bicicletas velhas de três e dez marchas. As mountain bikes são as que rapidamente encontram lares, embora costumem ser bicicletas de baixa qualidade de lojas de departamentos, e os seus pneus grossos sejam ineficientes para dar as voltas de sempre na cidade e utilizar como transporte.


Um de nós financiou com seu próprio dinheiro os nossos primeiros anos, e um dia recebeu seu dinheiro de volta. Nós começamos trabalhando com centros comunitários e abrigos para mulheres vítimas da violência, consertando e doando bicicletas para as pessoas que moravam lá. Para o público em geral, nós dávamos bicicletas e fazíamos consertos em troca de mão-de-obra e tentativas não muito empolgadas de aprender a realizar alguns reparos. Nós éramos, e ainda somos, muito tolerantes quanto a isto: nós discutimos a possibilidade de nos registrarmos como organização não-lucrativa, escrevendo "preços" (horas trabalhadas, por exemplo) para uma lista de consertos e outros serviços, e um número de outros assuntos recorrentes, mas nunca o fizemos. Nós geralmente informamos qualquer pessoa que não esteja disposta a trabalhar conosco que por uma bicicleta nós cobramos R$75, o que nos ajuda a recuperar algum dinheiro, mas é um número muito pequeno de pessoas. Nós também trocamos bicicletas por adesivos que usamos para identificar as bicicletas que nós consertamos, por comida e por outras coisas úteis. As coisas começaram realmente a dar certo quando uma loja local de bicicletas concordou em nos patrocinar com uma contribuição anual decente, o suficiente para conseguirmos algumas ferramentas e peças, o que nos permitiu ampliar nossos esforços.


Nós espalhamos o gospel das bicicletas no canal de televisão local. Nós tivemos artigos escritos sobre nós no jornal. Nós rifamos uma bicicleta num festival local de cinema. Nós nos mudamos para um quintal maior. Era a porcaria do Sonho Americano. Em seguida, planejamos adquirir uma garagem para dois carros!


Nós também doamos todos os nossos sábados. O nosso grupo de membros mais ativos, outras pessoas iam e vinham, continua sendo de quatro a cinco pessoas. Às vezes parecia que iríamos ficar com poucos membro realmente comprometidos, duas pessoas infelizes tentando desesperadamente manter tudo sob controle, mas isso ainda não aconteceu. Nós distribuímos mais de 450 bicicletas nos últimos quatro anos, e nós jogamos fora o que nos pareceram ser dezenas de milhares de bicicletas de baixa qualidade enferrujadas. Eu não acho que um coletivo de bicicletas seja uma forma de se fazer coisas grandiosas: para isso, você precisa de lobbistas ou coquetéis molotov, e muito tempo. Mas coletivos de bicicletas podem realizar coisas muito concretas, mesmo que eles sejam pequenos. Eu espero que nós possamos reclamar alguma responsabilidade pelos bicicletários da cooperativa local estarem sempre lotados. E se algumas dúzias de pessoas agora reparam os furos nas suas câmaras de pneus ao invés de pagarem R$10 a uma loja de bicicletas para fazê-lo, bem, isso para mim é o suficiente.

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